segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Reportagem do SERRANOSSA sobre o escândalo na pref. de Bento Gonçalves


O caos está instalado na prefeitura de Bento Gonçalves. A avaliação não é do SERRANOSSA, mas da própria administração municipal. Na última segunda-feira, dia 15, o prefeito Roberto Lunelli concedeu entrevista coletiva para explicar a demissão do secretário municipal de Finanças, Olívio Barcelos de Menezes, a desorganização administrativa em que a secretaria foi deixada e os supostos furtos que teriam sido cometidos na pasta. Em resumo: a prefeitura não sabe quanto dinheiro foi roubado dos cofres públicos. E mais: não sabe quanto dinheiro tem em caixa, não sabe que prestadores de serviços e fornecedores realmente cumpriram com suas obrigações para com o município e merecem pagamento. E também não sabe dizer se o pagamento dos servidores municipais ocorrerá em dia.
A entrevista coletiva serviu para o prefeito anunciar oficialmente o nome da procuradora-geral do município, Simone Azevedo Dias, como nova secretária de Finanças. Ela será auxiliada pelo ex-titular da pasta, Rômulo de Freitas, que trabalhará de forma voluntária. Lunelli, Simone e Freitas explicaram como ocorrerá o processo de revisão das contas do município após as suspeitas de desvios que teriam ocorrido na secretaria.
A prefeitura não confirma o valor que teria sido desviado dos cofres públicos e informa que dará detalhes apenas dentro de 15 dias. Não há nem mesmo uma quantia aproximada. Dentro da secretaria, no entanto, pelo menos dois servidores garantem que chega a R$ 25 milhões. Outra fonte na administração municipal calcula que o rombo fica na casa de R$ 6 milhões. No Ministério Público Estadual, um período de amostragem de apenas dois meses atesta que pelo menos R$ 200 mil teriam sido desviados por uma contadora da secretaria. “Isso talvez seja apenas a ponta do iceberg”, afirma o promotor Alécio Silveira Nogueira, que está à frente da investigação. A informação oficial da prefeitura é de que não se sabe.
Para Rômulo de Freitas, qualquer valor aventado hoje deve ser tratado como um “achismo”. Uma revisão de cada pagamento efetuado pela prefeitura, começando nos últimos dias e retrocedendo no tempo, está sendo realizada na secretaria de Finanças. Os desvios de dinheiro serão encontrados na comparação entre os valores das notas fiscais, os relatos dos fornecedores e os valores empenhados pela secretaria para o pagamento.

Desvios e demissão
A conclusão da prefeitura é de que a contadora Luana Della Valle Marcon, enquanto trabalhava na secretaria, teria efetuado empenhos com recursos maiores que os devidos aos fornecedores. Quem prestou serviços à prefeitura recebeu o valor devido – o excedente seria desviado. As operações eram feitas por meio de um sistema de informática instalado após a contratação da servidora, ao qual, segundo Lunelli e Freitas, só tinham acesso ela e o secretário Menezes. O caso está sendo investigado pelo Ministério Público Estadual.
A demissão do secretário é um desdobramento do caso da contadora e de uma investigação paralela sobre um pagamento indevido a uma fundação ocorrido no período em que Menezes e Luana trabalhavam na secretaria. Ela foi demitida em setembro pelo próprio secretário após as denúncias de desvios de recursos administrados pela pasta. As suspeitas teriam iniciado em agosto e ele próprio chegou a procurar a Polícia Civil e registrar ocorrência a respeito dos supostos desvios. Passada a eleição, foi demitido sob a alegação de ser responsável pelos atos da contadora na secretaria. “Eu o demiti porque realmente acabou a confiança”, explicou Lunelli. “O problema não era só técnico. Era falta de ética também”, concluiu Freitas.
Segundo a procuradora-geral e nova secretária de Finanças, o caso está sendo tratado com rigor dentro da prefeitura. “A administração municipal também não pode ficar inerte”, garantiu. “Já abrimos processos administrativos e disciplinares contra Olívio e Luana.”

Corte de despesas
Segundo o prefeito Roberto Lunelli, a semana seria de reuniões junto a secretários municipais para definir demissões de CCs e estagiários em toda a administração municipal. A medida, que deveria mesmo tomar efeito até 31 de dezembro, final deste governo, foi adiantada como forma de economia. “Nós decidimos por cortes radicais de despesas”, explicou o prefeito. “antecipamos as demissões de muitos CCs e estagiários.”

Empenho de R$ 840 mil causou estranheza
No Ministério Público Estadual, um pagamento efetuado pela secretaria municipal de Finanças chamou a atenção e vem sendo investigado junto com as ações da ex-contadora e do ex-secretário. O pagamento inexplicado de R$ 840 mil causou estranheza e a investigação do caso contribuiu para a demissão do secretário Menezes.
O contrato, no valor inicial de R$ 30 mil, foi assinado em 2010, na gestão do secretário Miguel Baumgartner, com uma fundação que auxiliaria a prefeitura a promover a licitação para a contratação de um banco que lidaria com a folha de pagamento dos servidores municipais. Em julho de 2012, já na gestão de Olívio Barcelos de Menezes, foi feito um aditivo ao contrato, que conferia à fundação o bônus de 20% sobre o eventual aumento de receita resultante da contratação do novo banco. O valor pago chegou a R$ 840 mil.
Para o promotor Alécio Silveira Nogueira, causou “estranheza” um pagamento de valor tão elevado para “uma mera consultoria”. A investigação foi aberta, mas, segundo o promotor, o secretário Menezes enviou informações incompletas sobre o pagamento e não esclareceu que tipo de serviços foram remunerados ou mesmo se eles foram efetuados.
Segundo o prefeito Roberto Lunelli, o pagamento é realmente indevido, já que a fundação não teria auxiliado na contratação – o próprio prefeito negociou com a Caixa Econômica Federal e não houve interesse de outros bancos. O mesmo relato foi feito ao Ministério Público por Lunelli, Simone e pela então ex-secretária de Governo, Eliana Passarin. Lunelli, no entanto, assinou o aditamento do contrato. Esses depoimentos ocorreram no mesmo dia em que Menezes foi exonerado. Segundo o promotor Nogueira, todos os envolvidos na contratação da fundação estão sendo investigados, mas o foco hoje está em Menezes.

Credores seguirão sem receber
Enquanto a prefeitura tenta entender o que aconteceu na secretaria de Finanças e descobrir o tamanho do rombo no orçamento do município, os credores seguirão sem receber o que supostamente lhes é devido. Há relatos de fornecedores e prestadores de serviço que estão há muito tempo com pagamentos atrasados e já deixaram de atender à prefeitura. Em pelo menos uma creche que vende vagas para o município, o atraso no pagamento tem criado dificuldades para a administração do empreendimento.
Segundo o prefeito Roberto Lunelli, no entanto, ninguém será pago até que a administração municipal se organize. “No momento, nós nem sabemos se os serviços existiram”, declarou o prefeito no início da semana. Segundo Lunelli, a prefeitura tem procurado todos os credores para obter mais informações sobre os serviços prestados. “A prefeitura vai pagar só quando tiver certeza”, afirmou Rômulo.

Pagamentos dos servidores
Com a desorganização da secretaria de Finanças e o desconhecimento da realidade financeira do município, não há certeza na prefeitura de que os salários dos servidores e a segunda parcela do 13º serão pagos em dia. A intenção, segundo o prefeito Lunelli, é das melhores. “A folha de pagamento será cumprida”, disse ele, no início da semana. Rômulo de Freitas foi mais comedido: “não se pretende atrasar salários”, afirmou o ex-secretário. Mesmo com essas declarações, não se descarta na prefeitura a busca de recursos externos para o pagamento.

O SERRANOSSA tentou localizar o ex-secretário Olívio Barcelos de Menezes e a contadora Luana Della Valle Marcon para ouvir suas versões sobre os problemas na prefeitura. Eles não foram encontrados.

Reportagem: Eduardo Kopp