O caos está instalado na prefeitura de Bento Gonçalves. A avaliação não
é do SERRANOSSA, mas da própria administração municipal. Na última
segunda-feira, dia 15, o prefeito Roberto Lunelli concedeu entrevista coletiva
para explicar a demissão do secretário municipal de Finanças, Olívio Barcelos
de Menezes, a desorganização administrativa em que a secretaria foi deixada e
os supostos furtos que teriam sido cometidos na pasta. Em resumo: a prefeitura
não sabe quanto dinheiro foi roubado dos cofres públicos. E mais: não sabe
quanto dinheiro tem em caixa, não sabe que prestadores de serviços e
fornecedores realmente cumpriram com suas obrigações para com o município e
merecem pagamento. E também não sabe dizer se o pagamento dos servidores
municipais ocorrerá em dia.
A entrevista coletiva serviu para o prefeito anunciar oficialmente o
nome da procuradora-geral do município, Simone Azevedo Dias, como nova
secretária de Finanças. Ela será auxiliada pelo ex-titular da pasta, Rômulo de
Freitas, que trabalhará de forma voluntária. Lunelli, Simone e Freitas
explicaram como ocorrerá o processo de revisão das contas do município após as
suspeitas de desvios que teriam ocorrido na secretaria.
A prefeitura não confirma o valor que teria sido desviado dos cofres
públicos e informa que dará detalhes apenas dentro de 15 dias. Não há nem mesmo
uma quantia aproximada. Dentro da secretaria, no entanto, pelo menos dois
servidores garantem que chega a R$ 25 milhões. Outra fonte na administração
municipal calcula que o rombo fica na casa de R$ 6 milhões. No Ministério
Público Estadual, um período de amostragem de apenas dois meses atesta que pelo
menos R$ 200 mil teriam sido desviados por uma contadora da secretaria. “Isso
talvez seja apenas a ponta do iceberg”, afirma o promotor Alécio Silveira
Nogueira, que está à frente da investigação. A informação oficial da prefeitura
é de que não se sabe.
Para Rômulo de Freitas, qualquer valor aventado hoje deve ser tratado
como um “achismo”. Uma revisão de cada pagamento efetuado pela prefeitura,
começando nos últimos dias e retrocedendo no tempo, está sendo realizada na
secretaria de Finanças. Os desvios de dinheiro serão encontrados na comparação
entre os valores das notas fiscais, os relatos dos fornecedores e os valores
empenhados pela secretaria para o pagamento.
Desvios e demissão
A conclusão da prefeitura é de que a contadora Luana Della Valle Marcon,
enquanto trabalhava na secretaria, teria efetuado empenhos com recursos maiores
que os devidos aos fornecedores. Quem prestou serviços à prefeitura recebeu o
valor devido – o excedente seria desviado. As operações eram feitas por meio de
um sistema de informática instalado após a contratação da servidora, ao qual,
segundo Lunelli e Freitas, só tinham acesso ela e o secretário Menezes. O caso está
sendo investigado pelo Ministério Público Estadual.
A demissão do secretário é um desdobramento do caso da contadora e de
uma investigação paralela sobre um pagamento indevido a uma fundação ocorrido
no período em que Menezes e Luana trabalhavam na secretaria. Ela foi demitida
em setembro pelo próprio secretário após as denúncias de desvios de recursos
administrados pela pasta. As suspeitas teriam iniciado em agosto e ele próprio
chegou a procurar a Polícia Civil e registrar ocorrência a respeito dos supostos
desvios. Passada a eleição, foi demitido sob a alegação de ser responsável
pelos atos da contadora na secretaria. “Eu o demiti porque realmente acabou a
confiança”, explicou Lunelli. “O problema não era só técnico. Era falta de
ética também”, concluiu Freitas.
Segundo a procuradora-geral e nova secretária de Finanças, o caso está
sendo tratado com rigor dentro da prefeitura. “A administração municipal também
não pode ficar inerte”, garantiu. “Já abrimos processos administrativos e
disciplinares contra Olívio e Luana.”
Corte de despesas
Segundo o prefeito Roberto Lunelli, a semana seria de reuniões junto a
secretários municipais para definir demissões de CCs e estagiários em toda a
administração municipal. A medida, que deveria mesmo tomar efeito até 31 de
dezembro, final deste governo, foi adiantada como forma de economia. “Nós
decidimos por cortes radicais de despesas”, explicou o prefeito. “antecipamos
as demissões de muitos CCs e estagiários.”
Empenho de R$ 840 mil causou estranheza
No Ministério Público Estadual, um pagamento efetuado pela secretaria
municipal de Finanças chamou a atenção e vem sendo investigado junto com as
ações da ex-contadora e do ex-secretário. O pagamento inexplicado de R$ 840 mil
causou estranheza e a investigação do caso contribuiu para a demissão do
secretário Menezes.
O contrato, no valor inicial de R$ 30 mil, foi assinado em 2010, na
gestão do secretário Miguel Baumgartner, com uma fundação que auxiliaria a
prefeitura a promover a licitação para a contratação de um banco que lidaria
com a folha de pagamento dos servidores municipais. Em julho de 2012, já na
gestão de Olívio Barcelos de Menezes, foi feito um aditivo ao contrato, que
conferia à fundação o bônus de 20% sobre o eventual aumento de receita
resultante da contratação do novo banco. O valor pago chegou a R$ 840 mil.
Para o promotor Alécio Silveira Nogueira, causou “estranheza” um
pagamento de valor tão elevado para “uma mera consultoria”. A investigação foi
aberta, mas, segundo o promotor, o secretário Menezes enviou informações
incompletas sobre o pagamento e não esclareceu que tipo de serviços foram
remunerados ou mesmo se eles foram efetuados.
Segundo o prefeito Roberto Lunelli, o pagamento é realmente indevido, já
que a fundação não teria auxiliado na contratação – o próprio prefeito negociou
com a Caixa Econômica Federal e não houve interesse de outros bancos. O mesmo
relato foi feito ao Ministério Público por Lunelli, Simone e pela então
ex-secretária de Governo, Eliana Passarin. Lunelli, no entanto, assinou o
aditamento do contrato. Esses depoimentos ocorreram no mesmo dia em que Menezes
foi exonerado. Segundo o promotor Nogueira, todos os envolvidos na contratação
da fundação estão sendo investigados, mas o foco hoje está em Menezes.
Credores seguirão sem receber
Enquanto a prefeitura tenta entender o que aconteceu na secretaria de
Finanças e descobrir o tamanho do rombo no orçamento do município, os credores
seguirão sem receber o que supostamente lhes é devido. Há relatos de
fornecedores e prestadores de serviço que estão há muito tempo com pagamentos
atrasados e já deixaram de atender à prefeitura. Em pelo menos uma creche que
vende vagas para o município, o atraso no pagamento tem criado dificuldades
para a administração do empreendimento.
Segundo o prefeito Roberto Lunelli, no entanto, ninguém será pago até
que a administração municipal se organize. “No momento, nós nem sabemos se os
serviços existiram”, declarou o prefeito no início da semana. Segundo Lunelli,
a prefeitura tem procurado todos os credores para obter mais informações sobre
os serviços prestados. “A prefeitura vai pagar só quando tiver certeza”,
afirmou Rômulo.
Pagamentos dos servidores
Com a desorganização da secretaria de Finanças e o desconhecimento da
realidade financeira do município, não há certeza na prefeitura de que os
salários dos servidores e a segunda parcela do 13º serão pagos em dia. A
intenção, segundo o prefeito Lunelli, é das melhores. “A folha de pagamento
será cumprida”, disse ele, no início da semana. Rômulo de Freitas foi mais
comedido: “não se pretende atrasar salários”, afirmou o ex-secretário. Mesmo
com essas declarações, não se descarta na prefeitura a busca de recursos
externos para o pagamento.
O SERRANOSSA tentou localizar o ex-secretário Olívio Barcelos de Menezes
e a contadora Luana Della Valle Marcon para ouvir suas versões sobre os
problemas na prefeitura. Eles não foram encontrados.
Reportagem: Eduardo Kopp