Com Moacyr Scliar, morto à 1h deste domingo por falência múltipla de órgãos devido às consequências de um acidente vascular cerebral (AVC), acontecia o contrário. Poucos escritores terão gostado tanto de escrever — e terão demonstrado tanta facilidade em fazer isso.
Aos 73 anos, o porto-alegrense Moacyr Jaime Scliar havia construído uma obra sólida, com mais de um livro publicado para cada ano de vida, em uma ampla gama de gêneros: contos, romances, literatura infanto-juvenil, ensaios. Além disso, era colunista frequente de uma dezena de publicações, de jornais diários como Zero Hora e Folha de S. Paulo a revistas técnicas. Escrevia em qualquer lugar a qualquer hora, auxiliado pela tecnologia – jamais viajava sem seu laptop. Tal dedicação à palavra e ao ofício que exercia com evidente prazer transformaram Scliar em um dos autores mais respeitados do Brasil.
Scliar morreu no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, onde estava internado desde 11 de janeiro. O escritor havia sido admitido no hospital para a retirada de pólipos (formações benignas) no intestino. A cirurgia, simples, havia transcorrido sem complicações. Scliar já se recuperava quando sofreu um AVC – obstrução de uma artéria que irriga o cérebro – de extrema gravidade.
Scliar nasceu em 1937, no bairro judaico do Bom Fim, em Porto Alegre, filho de José e Sara Scliar – a mãe, professora primária, seria a grande responsável pela paixão do escritor pelas letras: foi ela quem o alfabetizou. Formado médico sanitarista pela UFRGS, ingressou na profissão em 1962. Casado com Judith, professora, e pai do fotógrafo Roberto, Scliar havia também passado pela experiência de professor visitante em universidades estrangeiras e tinha obras traduzidas em uma dezena de idiomas, entre elas o russo e o hebraico. O trabalho como médico de saúde pública seria crucial na vida e na obra de Scliar – seu primeiro livro, publicado em 1962, foi uma coletânea de contos inspirados pela prática médica, Histórias de Médico em Formação, volume que mais tarde Scliar excluiria de sua bibliografia oficial por considerá-lo a obra prematura de um autor que ainda não estava pronto.
Nos seus livros seguintes, Scliar jamais se permitiria outra publicação prematura. Do mesmo modo como escrevia com velocidade e prazer, Scliar também revisava obsessivamente o próprio texto, a ponto de às vezes reescrever uma obra do zero por ter encontrado um ponto de vista narrativo mais adequado.
— Se o escritor não tiver prazer escrevendo, o leitor também não terá — comentou em uma entrevista concedida quando completou 70 anos, em 2007.
FONTE ZERO HORA ON LINE.