O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira, que a Lei da Ficha Limpa é válida e deve ser aplicada nas eleições deste ano. Depois do desgaste público de sua imagem no caso Roriz, quando não conseguiu pôr fim a um inédito impasse sobre a validade da norma, a Suprema Corte cumpriu seu papel. Após mais de seis horas de intenso debate - e novo empate -, chegou finalmente a uma conclusão.
Para sair do impasse, a maioria dos ministros decidiu seguir a sugestão do decano Celso de Mello e recorrer ao regimento interno da corte ao analisar recurso do deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA). Diz o artigo 205 do regimento que, em caso de empate, "havendo votado todos os ministros, salvo os impedidos ou licenciados por período remanescente superior a três meses, prevalecerá o ato impugnado". Traduzindo: como a composição do tribunal está incompleta desde a aposentadoria de Eros Grau, prevalece a medida questionada - a decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que barrou Jader com base no crivo da nova lei.
Na prática, a Ficha Limpa permanece em vigor. Como consequência, Jader Barbalho (PMDB) tem o registro indeferido e não poderá assumir o cargo de senador, para o qual teve votos suficientes no estado do Pará. Em 2001, ele renunciou ao mandato no Senado para escapar de um processo de cassação por suspeita de desvio de recursos do Banpará e da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). A Lei da Ficha Limpa, sancionada em junho deste ano, torna inelegíveis os políticos que renunciarem para escapar de punição.
Segundo a assessoria do Supremo, a decisão desta quarta-feira será aplicada a outros casos em que políticos renunciaram para escapar de punição. As demais hipóteses previstas pela Ficha Limpa poderão ser analisadas em julgamentos futuros.
Caso Roriz – Em setembro, a Lei da Ficha Limpa chegou pela primeira vez ao plenário da Suprema Corte por causa de um recurso do então candidato ao governo do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC-DF). A polêmica rachou o tribunal. Na ocasião, o julgamento - que chegou à madrugada - terminou em um inusitado empate de 5 a 5. A discussão foi interrompida sem decisão alguma. Em seguida, Roriz renunciou à disputa pelo governo do DF e a coligação indicou sua mulher, Weslian Roriz, para concorrer ao cargo.
O impasse aconteceu porque não houve o voto do 11º ministro. A cadeira de Eros Grau, que se aposentou, está vazia à espera de novo ocupante. A indicação deveria ter sido feita pelo presidente Lula, mas, ao que tudo indica, ele vai deixar a decisão para o próximo presidente da República eleito. Os ministros chegaram a discutir os possíveis desfechos para o impasse e cogitaram esperar a nomeação do novo ministro. Depois de adiar a proclamação do resultado, foram surpreendidos pela renúncia de Roriz.
Votos - Quando a Ficha Limpa voltou a ser discutida, nesta quarta, o posicionamento dos magistrados já era publicamente conhecido. Primeiro a votar, o relator, Joaquim Barbosa, sustentou que a lei é válida e deve ser aplicada neste caso: “Há de se prevalecer a ótica interpretativa de interesses maiores de toda a comunidade, que coíbam abuso no exercício de funções públicas. A lei Complementar 135 (Lei da Ficha Limpa) se aplica de modo uniforme a todos os participantes da disputa, sem violar o principio da isonomia, e não gerou desequilíbrio entre as forças eleitorais em disputa".
Os ministros Carlos Ayres Britto, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie acompanharam Barbosa e defenderam a inelegibilidade de Barbalho. Marco Aurélio Mello, José Antonio Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e o presidente, Cezar Peluso, votaram de forma contrária. "Essa é uma lei personalizada, que atinge pessoas determinadas e conhecidas", disse Peluso.
Com o voto do presidente, o tribunal voltou ao impasse de 5 a 5 e precisou chegar a uma conclusão. Depois de acalorado debate, o julgamento foi concluído.
Salão de horrores - Coube ao ex-presidente do Supremo, Gilmar Mendes, esquentar a discussão e expor um ponto de vista distinto dos outros integrantes da corte. Contrário ao formato da Ficha Limpa, ficou exaltado em vários momentos, usou expressões fortes e elevou o tom da voz para ressaltar sua posição. Chegou a tachar a medida de "hedionda", "casuística" e disse que ela permite um “quadro horrendo de barbáries” e é um "convite para um salão de horrores". Em um dos momentos de maior irritação, disse: "Não podemos, em nome do moralismo, chancelar normas que podem flertar com o nazi-fascismo".
O ex-presidente levantou dúvidas sobre os interesses para a aprovação da lei. E citou um dos coordenadores da campanha da candidata à Presidência Dilma Rousseff (PT). "Nesse caso específico a lei tinha endereço certo, era para resolver a eleição no Distrito Federal. Tanto que a emenda é de Cardozo [o deputado federal José Eduardo Cardozo (PT-SP)], hoje coordenador da campanha de Dilma Rousseff. É considerada reprovável, reprovada e hedionda", afirmou.
Mendes criticou duramente a possibilidade de barrar a candidatura de Barbalho nove anos depois de ele ter renunciado. "Estamos realmente vivendo dias singulares, heterodoxos em termos de direito. Sem dúvida nenhuma, chancelar a aplicação da lei nesse caso, nove anos decorridos, é - com as vênias de estilo - a barbárie da barbárie".
Na avaliação do ministro, a nova lei abre uma brecha para abusos do Congresso – que poderia, por exemplo, alterar os critérios de inelegibilidade para atuar em interesse próprio. “Mais grave do que a lei é o convite que se faz para a irresponsabilidade do legislador. Para a manipulação, inclusive, das eleições”, afirmou.
Na parte inicial da sessão, Mendes chegou a discutir com os colegas Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia em plenário. Criticou a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), presidido por Lewandowski.
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