terça-feira, 23 de março de 2010

NOVOS VENDAVAIS PODEM ATINGIR O ESTADO.

Se o dia de ontem foi de destruição no Estado, o de hoje será de alerta. O fenômeno que provocou rajadas de até 115,5 km/h em Bagé e danos comparáveis aos de um tornado em Santo Cristo tem o risco de se repetir nas primeiras horas do dia, especialmente nas regiões Norte e Noroeste.

A previsão é de que as rajadas alcancem 80 km/h nessas áreas, com volume de chuva que pode alcançar 50 milímetros – o equivalente a 50% da média do mês. A boa notícia é que ao longo do dia o sistema perde força, com previsão apenas de chuva fraca amanhã no Leste e no Nordeste.

Embora o efeito devastador seja semelhante ao de outras tempestades, com telhas arrancadas, muros e postes derrubados, desta vez o agente tem um nome diferente: Complexo Convectivo de Mesoescala. Na prática, o nome pomposo significa a junção de tudo aquilo que os gaúchos experimentam desde o domingo à noite: um sistema que mescla chuva torrencial, vento forte, relâmpagos e granizo. Tudo potencializado por uma frente fria que atravessa o Estado e por um ciclone extratropical que atua no oceano.

– É como uma imensa bola de nuvens cúmulos-nimbo (as mais densas, associadas a trovoadas). Para se ter uma ideia, essa bola tem quase o tamanho do Rio Grande do Sul. É uma espécie de convergência da umidade, a frente fria organizou os ventos na região e potencializou os efeitos – explica o meteorologista Jonathan Cologna, da Somar Meteorologia.

Assustados com as cenas de telhas voando e estruturas de um ginásio retorcidas, moradores de Santo Cristo, uma das cidades mais atingidas, chegaram a imaginar que tinham sido vítimas de um tornado ontem. Depois de analisar imagens da cidade, a meteorologista Estael Sias, da Central de Meteorologia, descartou a hipótese. Na sua avaliação, o que ocorreu foi uma microexplosão:

– É uma forte rajada de vento tão destrutiva como um tornado, porém com um comportamento diferente.

Enquanto um tornado é uma espécie de funil com ventos circulares que “sugam” e retorcem tudo o que encontram pela frente, uma microexplosão é resultado de uma nuvem muito desenvolvida, que pode chegar a 10 quilômetros de altura e descarrega chuva e vento forte de uma vez só.

Indiferentes à nomenclatura, o que gaúchos constataram foi a fúria da tempestade. Até o início da noite de ontem, 67 mil permaneciam sem luz, devido a quedas na rede elétrica. Para auxiliar os atingidos por temporais, o Banrisul anunciou a oferta de linhas de crédito para pessoas físicas e micro e pequenas empresas.

Sob mesa, mulher viu telhado voar

A comerciária Imelda Junges, 50 anos, viu, debaixo da mesa da sala, o telhado da casa de madeira ser arrancado pela força do vento, na madrugada de ontem, em Santo Cristo, no noroeste do Estado.

O temporal que por volta das 2h atingiu mais quatro cidades da região deixou Imelda desalojada. A casa (na foto na página ao lado), além de perder o telhado, foi deslocada por cerca de meio metro. A mulher, apavorada embaixo da mesa, nem percebeu a movimentação da estrutura, porque o ruído sobre a sua cabeça era imenso. Ela havia levantado da cama momentos antes, despertada pelo som do temporal na rua. Como a energia elétrica tinha terminado, a comerciária tentava acender uma vela na sala, o que era impossível devido ao vento que entrava por frestas. Quando iria para o quarto para ver se conseguiria luz, o telhado se foi com o vento. Lembrando as orientações que recebia na infância, de procurar uma mesa para se proteger, Imelda se jogou naquela que estava a seu lado. Uma parede dos fundos da residência também ruiu. A tormenta destruiu fechaduras, abriu portas e quebrou vidros.

– Eu via aquela madeirama caindo do meu lado. Só rezava para que não caísse um pedaço grosso por cima da mesa. Fiquei ali de cinco a oito minutos – conta a mulher, que mora sozinha, e se socorreu na casa dos vizinhos quando o temporal permitiu que ela saísse da moradia.

Enquanto não recuperar os estragos, ela ficará na casa da mãe.

Esse foi o segundo temporal em menos de quatro meses no município. E o pior deles em termos de estragos. Foram danificadas 721 moradias – 58 estão destruídas. Ficaram desalojadas (na casa de parentes) 1,5 mil pessoas. Um morador se feriu. A cidade estava parcialmente sem água, sem luz e sem telefonia fixa na tarde de ontem. A tormenta levantou ainda a cobertura da cerealista da cooperativa dos agricultores do município, que seria inaugurada em breve. O maquinário novo foi comprometido. A Praça Wolfram Metzler ficou destruída.

– Estávamos sofrendo ainda os reflexos do temporal de novembro – lamenta o prefeito José Seger.

Salvos por um varal

Ainda tremendo e com a cabeça machucada, a doméstica Marlene Wiedtheuper, 37 anos, acredita que a sua vida, a do filho e a do marido foram salvas por um cordão do varal da área da residência, em Três Passos, no noroeste do Estado. Eles viveram momentos de pânico na madrugada de ontem, no bairro Isabel.

Como teme temporais, o marido Hardi, 42 anos, acordou-se com o barulho do vento. Pressentindo o pior, ele chamou a mulher e o filho para um cantinho da área, onde se sente seguro. Mal alertou a família, o vento começou a destruir a casa. Ao tentar se refugiar, Marlene foi atingida por um pedaço do forro de madeira e teve cortes na cabeça. O restante do forro só não caiu sobre eles porque o varal segurou.

– A gente só escutava o estouro, o barulho das coisas voando– disse Wiedtheuper, que trabalha na desossa de um frigorífico e teve de faltar ao serviço ontem, como muitos moradores de Três Passos.

A moradia de madeira que tinha três quartos, sala, cozinha e banheiro virou uma peça só, sem cobertura. As divisórias foram derrubadas, assim como três janelas e os móveis. O relógio de parede tombou e parou na hora do temporal, às 2h21min.

De acordo com o prefeito Cleri Camilotti, 18 mil pessoas foram atingidas pelo vendaval, que danificou 70% das casas da cidade. Há 50 desabrigados e 180 desalojados. As aulas nas escolas municipais estão suspensas até hoje. A cidade estava parcialmente sem luz, sem água e telefone ontem.

Os estragos pelo Estado

Municípios foram atingidos entre o final da noite de domingo e a madrugada de ontem

- Bagé – Dez casas ficaram parcialmente destelhadas e árvores caíram com o temporal. Um lava-carros teve o telhado arrancado pelo vento, com rajadas que chegaram aos 115,5 km/h. As telhas voaram para cima de um estacionamento ao lado, danificando automóveis.

- Carazinho – Pelo menos 35 casas foram parcialmente destelhadas. A força do vento derrubou postes e árvores. Por causa dos danos à rede de energia elétrica, moradores ficaram sem luz durante toda a segunda-feira.

- Ibirubá – Segundo a Defesa Civil do município, ocorreram 35 destelhamentos e 30 árvores foram quebradas ou arrancadas. Um dos locais mais atingidos foi a Praça General Osório. Foram distribuídos 600 metros quadrados de lona preta e telhas. O prefeito Carlos Jandrey decretou situação de emergência.

- Rio Grande – Pontos da cidade ficaram sem energia elétrica: segundo a CEEE, 23 mil clientes foram atingidos. A área mais afetada foi o Distrito Industrial, onde um condutor de alta-tensão se rompeu. Foram 12 horas no escuro. É nesse ponto onde ficam empresas como a Quip, que constrói a plataforma P-55. O serviço foi normalizado no final da manhã de ontem. Segundo a Praticagem da Barra, empresa controladora da entrada e saída de embarcações do porto, os ventos chegaram a 90 km/h.

- Santana do Livramento – Três árvores foram derrubadas na rodovia Livramento-Rosário do Sul (BR-158) pelos ventos de 72 km/h. A PRF desobstruiu a via em menos de uma hora. No Centro, os bombeiros atenderam a ocorrências de galhos de árvores em vias públicas.

A previsão

- Hoje – Ainda há risco de temporais, especialmente no Noroeste e no Norte, onde as rajadas podem chegar a 80 km/h. Nessas regiões, o volume de chuva pode alcançar 50 milímetros. Só não há previsão de chuva para a Região Sul. A nebulosidade deve predominar em todo o Estado. A temperatura deve oscilar entre 13°C e 28°C.

- Amanhã – A frente fria se afasta, mas a instabilidade permanece sobre o Estado. Há chance de chuva fraca nas regiões Leste e Nordeste. Nas demais áreas, a nebulosidade diminuiu e o sol pode aparecer. A temperatura varia de 12°C a 30°C.

- Quinta-feira – O tempo deve ficar abafado, com nebulosidade e sol entre nuvens, na maior parte do Estado. Há chance de pancadas no Norte, especialmente no final do dia. A temperatura oscila de 17°C a 29°C.

- Sexta-feira – O sol e o calor devem predominar. Há risco de pancadas isoladas no Litoral Norte, próximo da divisa com Santa Catarina. A temperatura varia de 18°C a 30°C na maior parte do Estado.

fonte zero hora.